Os sacrifícios humanos realizados, não eram somente para garantir a fertilidade da terra, mas demonstram claramente o terror que a consciência masculina tinha pelo lado obscuro, feminino, noturno do inconsciente. Eles consistiam em arrancar o coração da vítima ainda viva, pelo esquartejamento ou decapitação. Estas mortes são oriundas, como no Egito, de um estrato matriarcal ultrapassado, cujos vestígios ainda podem ser detectados no mito asteca e nos seus ritos, como no "circuito austral do inferno" em que se praticava o degolamento e o desmembramento.
Esta necessidade de fecundar a terra feminina com sangue constela o Grande Feminino como terrível, esquartejadora e mortífera. Este é o motivo pelo qual a grande divindade materna asteca é Senhora da Faca Obsidiana, usada para o esquartejamento e que, e em seu aspecto de deusa lunar, recebe o nome de "faca de pedra branca".
A taça de sacrifício utilizada para recolher o sangue do sacrificado é um atributo da Mãe Terrível, com qualidade de "taça de morte". Aqui ela recebe o nome de "Mulher Águia", em função dos corações sacrificados à águia e o Sol. A taça possui um sapo ilustrado no fundo, é a "taça da águia". O símbolo da taça de sangue ainda hoje povoa o inconsciente do ser humano, tanto nas fantasias como nos sonhos.
Itzpapalotl, deusa-obsidiana (borboleta obsidiana), relacionada à caça, originalmente era representada por um dragão, tendo se tornado mais tarde uma deusa da caça com asas de borboleta, cujas as bordas eram de obsidiana. O culto à arma encantada está ligado à ela, assim como todas as deusas primordiais da morte e da caça. Até mesmo o deus Tezcatlipoca é um deus da obsidiana e tem o mesmo papel sagrado da faca produzida por este material.
A fé primitiva dos astecas pode ser chamada de "religião da obsidiana", pois esta arma sagrada e mágica, vinda do céu é o símbolo da Grande Mãe sanguinária, portadora da vida e da morte, que ao ser desmembrada deu origem a todo o tipo de vida.
Imagem: Itzpapalotl - A Borboleta Noturna
Posteriormente com a transição da caça para a lavoura, os deuses tomaram outros aspectos. A deusa-obsidiana da caça, a borboleta-obsidiana é descrita em um hino antigo como uma "deusa melão-cacto" e a Grande Deusa passa a ser associada à terra. O seu filho, fruto da fertilidade passa a ser o milho e ela se torna a deusa da fertilidade do milho. Entretanto sua fama de terrível persiste e o ato de arrancar do pé a espiga de milho passa a ser análoga ao de extirpar o coração da vítima sacrificada com a ajuda da faca de obsidiana.
Este duplo aspecto, em que a vida se torna morte e esta passa à vida aparece repetidas vezes no mito e nos rituais astecas. Este aspecto evidencia-se no sacrifício de sangue.
A humanidade primitiva era incitada a praticar ritos sanguinários, do mesmo modo que na atualidade o homem promove guerras para saciar sua sede de sangue. Em ambos os casos , estas ações se julgam "inocentes".
A Grande Mãe sempre esteve ligada à dualidade Lua/Terra, Vida/Morte. O mistério da fecundação está vinculado à Lua e seu desmembramento. Aqui a Lua significa tanto o filho fecundador quanto o desmembrado.
No México, a região austral da decapitação e do desmembramento corresponde ao mundo terrível dos portões subterrâneos egípcios. No centro, há uma figura medonha com duas facas de obsidiana no lugar de sua cabeça e de todas as suas articulações projetam-se facas.
A Grande Mãe, incorporando a deusa da morte, carrega a faca obsidiana e o deus da Lua, Xipe Totek, possui uma máscara feita de tais facas, está relacionado àquela e participa de seu ritual, em que o filho juvenil é esquartejado ou castrado. Este é um auto-sacrifício da Lua que conduz ao seu renascimento. Xipe é o paralelo masculino da deusa terra e lua, que também personifica os alimentos, tanto o pé de milho, quanto o próprio milho.
Texto retirado do site: www.xamanismo.com.br
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