18 de fevereiro de 2011

Hora Sagrada

Hora sagrada dum entardecer
De Outono, à beira-mar, cor de safira,
Soa no ar uma invisível lira ...
O sol é um doente a enlanguescer ...

A vaga estende os braços a suster,
Numa dor de revolta cheia de ira,
A doirada cabeça que delira
Num último suspiro, a estremecer!

O sol morreu ... e veste luto o mar ...
E eu vejo a urna de oiro, a balouçar,
À flor das ondas, num lençol de espuma.

As minhas Ilusões, doce tesoiro,
Também as vi levar em urna de oiro,
No mar da Vida, assim ... uma por uma ...

(Florbela Espanca)

10 de fevereiro de 2011

Quem és Tú?



Quem és tu que assim vens pela noite adiante,
pisando o luar branco dos caminhos,
sob o rumor das folhas inspiradas?
a tua perfeição nasce do eco dos teus passos,
e a tua presença acorda a plenitude
a que as coisas tinham sido destinadas.
A historia da noite é o gesto dos teus braços,
o ardor do vento a tua juventude,
e o teu andar é a beleza das estradas.

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

5 de fevereiro de 2011

Te darei flores



Te darei flores.
Sempre planejei fazer isto.
Tão simples: de manhã acordar displicente
e começar a colher flores sob a cama.
Ir tirando buquês de rosas, margaridas, vasos de íris,
orquídeas que estão desabrochando e, uma a uma,
de flores ir te cumulando.
E amanhecendo dirás:
o amado hoje está mel puro,
seu amor aflorou e está me perfumando.

(Affonso Romano de Sant'Anna)

1 de fevereiro de 2011

O Diabo


Muitas são as qualidades dessa carta, mas eu acho pessoalmente que um aspecto forte do diabo é a distorção. Apesar de ser uma carta que aponta para nossos desejos e interesses mais ordinários, a aberração acontece no aprisonamento. A gente quer, muito, ardentemente, mas não se pode ter. Aí, aquilo insiste, insiste, até conseguir um atalho, um jeito de se dissipar. O julgamento externo ou entranhado de nossos princípios, ou seja, o nosso filtro do MENTAL deforma os desejos, transformam em algo compulsivo e que muitas vezes, toma o controle do pensamento.

E aí, quando isso se exterioriza é através de caminhos artificiais, perversos, ou que exijam grande força da psique para lidar ou… talvez trabalhar a favor destes instintos. É um desejo que se manifesta meio torto por assim dizer, pois não tem liberdade moral e social para se expressar. É o parece, mais não é!

Eu fico me lembrando das analogias do diabo com Lúcifer, também chamado estrela da manhã. Lúcifer foi expulso do céu, porque queria reconhecimento. Bem, não o teve e levou pé na bunda. A gente faz o mesmo com nosso lado sombrio e ele volta para se vingar, é insistente e insidioso. Se você não o reconhece em si…é pior.

A estrela da manhã é o planeta Vênus, que na astrologia tem todas as características do apelo pela aparência, desejo, conforto, vaidade, etc. E inclusive regem nossas relações, nossos afetos. Socrátes dizia, que o amor nada tem de bonito, mas é filho da miséria. Nos relacionamos porque algo nos falta, carecemos. O diabo vai nesse viés, da divisão, não nos sentimos completos, precisamos e precisamos! Ele vai naquele ponto do nosso vazio, fonte dos mais loucos desejos. Di-hablo….duas falas. Que conversam e brigam na nossa consciência.

O diabo é aquilo que todo mundo quer, mas se o desejo de todos fosse atendido, seria uma tragédia para a civilização como é constituída. Mas tem alguns que se lixam para isso e ainda se gabam, porque o diabo deles anda livre e dançarino.

O Diabo gera divisão, dúvida, não é a toa que a soma dá no enamorados. Começa lá no Adão em Eva, quando no paraíso tudo era perfeito, mas depois que comeram a maçã do conhecimento, a divisão se instaurou. Deram-se conta dos seus sexos, caíram no mundo da matéria e por aí vai. Tudo o que conhecemos se polarizou. Tudo virou “duas falas”.

O diabo é a palavrinha simples: o desejo. Mas esse desejo tem “uma qualidade”. Vejo o diabo como característico de aprisionamento e distorção desse desejo, por que ele em si, é simplesmente natural. O desejo nem fede nem cheira, ele simplesmente é. Ter mais de uma mulher aqui é traição, no oriente médio, quantas puder sustentar. E se ela não quiser sexo, você pode matá-la de fome. O diabo vem desse confronto com a cultura, seja nos crimes mais pesados, aos mais sutis. O desejo está lá, mas que bicho que ele vai virar?

Ele vira é aquela aberração, por causa dos caminhos que o desejo precisa tomar para ocorrer. Com as pressões exteriores, esse desejo saído original. Tratando-se de sexualidade mesmo… o básico todo mundo conhece, sabe para o que serve, etc. Agora o diabo passa justamente pelo filtro da nossa mente, pelas atrações e proibições sociais, e aí, quando vemos por exemplo, a sexualidade, quanta imaginação! Tanto para coisas cheias de glamour, quando o mais chocante, tipo pedofilia.


(Luciana Lebel)




“Falamos, então, não da existência do Diabo literalmente, mas sim de um fenômeno que tem seu quantum de energia psíquica,ou afeto, constelado num complexo, desligado da consciência, que podemos observar somente através de símbolos ou imagens organizados a partir de estruturas arquetípicas. A imagem do Diabo é sempre uma projeção da experiência emocional, vivida no momento de uma confrontação e uma tensão entre opostos,criada por uma cisão psíquica, e que tem uma função psicológica”.


Lygia Aride Fuentes em - "O Diabo Fascinosum"