13 de abril de 2010

As Deusas Sujas



Há um ser que vive no subterrâneo selvagem das naturezas das mulheres.
Essa criatura faz parte da nossa natureza sensorial e, como qualquer animal completo,
possui seus próprios ciclos naturais e nutritivos. Esse ser é curioso, gregário,
transbordante de energia em certas horas, submisso em outras. Ele é sensível a
estímulos que envolvam os sentidos: a música, o movimento, o alimento, a bebida, a
paz, o silêncio, a beleza, a escuridão.
É esse aspecto da mulher que tem cio. Não um cio voltado exclusivamente para
a relação sexual, mas uma espécie de fogo interior cuja chama cresce e depois abaixa,
em ciclos. A partir da energia liberada nesse nível, a mulher age como lhe convém.
O cio da mulher não é um estado de excitação sexual, mas um estado de intensa
consciência sensorial que inclui sua sexualidade, sem se limitar a ela.
Muito poderia ser escrito acerca dos usos e abusos da natureza sensorial
feminina e sobre como a mulher e outras pessoas atiçam o fogo à revelia dos seus
ritmos naturais ou tentam extingui-lo por completo. No entanto, em vez disso, vamos
Focalizar um aspecto que é ardente,decididamente selvagem e que transmite um
calor que nos mantém aquecidas com boas sensações. Na mulher moderna, essa
manifestação sensorial recebeu pouquíssima atenção e, em muitas regiões e períodos,
foi totalmente eliminada.
Existe um aspecto da sexualidade feminina que, nos tempos remotos, era
chamado de obsceno sagrado, não na acepção que damos hoje em dia ao termo, mas
com o significado de uma sabedoria sexual de uma certa forma bem-humorada.
Havia outrora cultos a deusas que eram voltados para uma sexualidade feminina
irreverente. Longe de serem depreciativos, eles se dedicavam a ilustrar partes do
inconsciente que ainda hoje permanecem misteriosas e em grande parte desconhecidas.


A própria idéia da sexualidade como sagrada e, mais especificamente, da
obscenidade como um aspecto da sexualidade sagrada, é vital para a natureza
selvática. Havia deusas da obscenidade nas antigas culturas matriarcais — assim
denominadas por sua lascívia astuta, porém inocente. Contudo, a linguagem, pelo
menos no inglês, dificulta a compreensão das "deusas sujas" como algo que não seja
vulgar. Eis o que a palavra suja e outros termos a ela relacionados significam.
• Dirt (sujeira): Inglês Médio, drit, provavelmente do islandês — excremento.
Significado ampliado para incluir imundície; geralmente, o solo e a poeira, por
exemplo, e obscenidade de qualquer natureza, especialmente na fala.
• Dirty Word (palavrão): uma palavra obscena, também usada atualmente
para designar qualquer coisa que tenha se tornado impopular ou suspeita em termos
sociais ou políticos, muitas vezes através de difamação e críticas imerecidas ou por
estar em descompasso com as tendências atuais.
• Obscene: do hebraico antigo, ob, significando um mago, uma feiticeira.
Tudo isso, difamação. Existem, porém, fragmentos de histórias em toda a
cultura mundial que sobreviveram a vários expurgos. Eles nos informam que o
obsceno não é absolutamente vulgar, mas que lembra mais alguma criatura fantástica
da natureza que desejamos muito que nos venha visitar e que venha a ser uma das
nossas melhores amigas.
Ficou evidente para mim que a importância dessas antigas deusas da
obscenidade estava na sua capacidade de soltar o que estava muito preso, de fazer
dissipar a melancolia, de trazer ao corpo uma espécie de humor pertencente não ao
intelecto, mas ao próprio corpo, de manter desobstruídas as passagens. É o corpo que
ri das histórias de coiotes, das histórias de Tio Trungpa, dois das frases de Mae West,
entre outras. As deusas sujas fazem com que uma forma vital de medicamento
neurológico e endócrino se espalhe por todo o corpo.

(Texto retirado do livro: Mulheres que correm com os lobos - Clarissa Pinkola Estes)

Um comentário:

Armand disse...

A natureza bruta é a expressão de um coração puro menina-loba.
Bendita seja esta selvageria que te move, e que te faz única entre milhões.
Sinto-me cada vez mais fascinado pelo seu encanto e lisonjeado por te conhecer Senhora das Sombras.