25 de setembro de 2009

Luto eterno




"Qual uma criança desmamada sobre o seio de sua mãe, qual uma criança desmamada está a minha alma para comigo" — Salmo 131
Madreminha, dócil madreminha,
dá-me tuas mãos, agora és tão menina.
Cada ano que passa vais diminuindo
e eu vou ficando cada vez maior na tua saudade.
Vem comigo.
É a minha hora de guiar-te.
Tu esqueceste o caminho quando em mim passaste.
Eu passo agora elucidando o olvido.
Madre, a vida é simples chão difícil.
Estamos num árduo labirinto
de uma saída livre e múltiplas esquinas.
Mas já não há perigo.
Eu te dirijo com minha bússola
instruída imantada nas estrelas
que jorraram das feridas
quando o céu da infância desabou de mim.
Mãe: cresci.
Tu, sim, ficaste sempre ingênua, arisca, intuitiva.
Madremenina. Madrefilha.
Não me ensinaste a ler porque não lias.
Mas na cartilha em que aprendeste a rir
soletraste em minha origem as palavras vitais de tua ciência:
alegria, pureza, infância, vento;
e me deste o empirismo das flores, dos astros, do silêncio;
e me agitaste nas veias o ritmo das coisas e dos seres.
(...)
Madreminha, eu sei:
a vida é perfumada por espinhos.
Sabes disso. Já o sabias
quando calçando os pés com meu cilício
alfombraste de aroma o que doía em meu ritmo.
Madre: já não há que imunizar meus olhos de sua vista.
Agora eu sei como ela é assustadoramente bela a vida:
alegre na periferia de sua polpa triste.
Sabes disso. Já o sabias
quando acariciaste meu sopro de cruz em teus ouvidos
e devolveste em cantiga o que te dei em grito.
(...)
(...)
Madre: ouves-me?
E reconheces em meu canto a tua agonia?
É minha vida. Inédita, exclusiva, a minha vida.
Ela gritou quando calei em ti e agora a angústia é minha.
Mas que digo? Oh madre-sensitiva, a angústia é minha?
Mas são teus olhos que eu pressinto duas fontes de sangue,
rubro rio transbordando em meu rosto
com delírio ao sorver esta secura ardente de meu riso
e a canção adusta nas feições tranquilas.
(...)
Tímida-mãe-poesia:
nunca tiveste essa ousadia
de verter em canto teus sonambulismos
ou de lançar ao vento
como desafio uma orquestra de êxtases cadentes.
Mãe, eu tive.
Por isso tu sorris quase com medo desta filha
que descobriu em teu organismo
uma latência de revolta lírica.
Estavas tão só com o teu silêncio
e essa fervente ânsia de explodir-te.
Bati à tua porta e disse:
Eis-me aqui. Eu te redimo agora.
Dorme.
(...)
(Ilka Brunhilde Laurito)

Saudades de um tempo que não voltará nunca mais...
Tristeza, lembranças, sensação de impotência, arrependimento, revolta...
3 anos... E essa dor não passa...


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