10 de fevereiro de 2010

Soturna



Olhas o céu, que é a flama azul do olhar de um santo.
Parece, até, que, de tão fluida, a luz é aroma...

E eu, vendo o céu lúcido assim, penso no pranto
De súlfur vivo que escorreu sobre Sodoma...

Olhas os ramos, na opulência e na indolência...
Lembras sazões, pomos, desejos e pecados...

E eu, nesses ramos, sinto a lúgubre cadencia
Da pendular oscilação dos enforcados...

Olhas a terra toda em flor... Falas na gloria
De messidores, de farturas, de celeiros...

Diante da terra, oiço a canção desilusoria
Da ronda triste e sonolenta dos coveiros...

Olhas o mar em que o oiro-azul do céu se estrela:
Não sentes, vendo-o, nem pavores nem presságios...

E eu, pelo mar, vejo os espectros da procela,
E as naus sem norte, os precipícios, e os naufrágios...

Olhas a Vida... E ouves, da terra aos céus, o coro
Propiciatório de alegrias e noivado...

Dos céus à terra, eu sinto as suplicas e o choro
Dos prisioneiros, ofendidos, degradados...

Diante da Morte, unicamente, se alevanta
Minha alma em luz, serena e só, tranqüila e forte...

E, diante dela, o seu louvor sem frases canta...
Que é que tu sentes, minha Irmã, diante da Morte?

(Cecília Meireles)

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