5 de outubro de 2010

Personagem


São os espelhos que me revelam:

Sem eles eu talvez não soubesse de mim.


Personagem incerto:
alguma dimensão, para demarcar-me.


Densidade suficiente para as quedas.
Às vezes, uma perplexa luz.


De nome não se fala, por desnecessário.
De origem não se sabe o que dizer.


Esta unidade insuficiente,
que não consegue ser sozinha.


Sim, conseguiria, se tudo não fossem agressões,
de dentro e de fora.


Que obediência, que disciplina é preciso aceitar?
Que genealogias se impõem?
Flutua-se num rio caudaloso e baço:
toas as gerações já passaram – e que souberam de proveitoso?
De onde provinham? Como se encadearam seus rostos?
Viveram suas obrigações. Que deixaram?
Tudo se perde na origem anônima,
Nessa negra fonte cega.


Que posso eu ter com essas vidas passadas,
se elas nada afinal têm com a minha?
Que somos todos um sangue?
Ah! cada um vive o seu sangue separadamente!



(Cecília Meireles)

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